Homem

{ Aspas do dia } O senhor leu minha cartinha, né? Por isso estou indo embora

Era um jovem de vinte e poucos anos, envolvido em crime contra o patrimônio, que cumpria pena no regime semiaberto. Ele havia conseguido proposta de emprego com anotação na CTPS, num mercado de cidade próxima. Assim, considerando a falta de oferta pelo estado de trabalho aos detentos, autorizei a prisão domiciliar, ou seja, trabalho durante o dia e recolhimento noturno em casa durante a noite. Tudo a partir da semana seguinte.

Mas, ocorre que a mãe, o irmão mais novo e a tia apareceram no mesmo dia da decisão no Fórum a pedir pelo rapaz. Todos apresentáveis e educados. Deviam ter visto a decisão pelo sítio do Poder Judiciário. Queriam que o apenado fosse para casa já a partir daquela semana mesmo. E mais, pediam também que eu autorizasse a ida dele na festa de casamento de um tio no próximo sábado. Pois sem muito questionar, antecipei a saída e autorizei a ida na festa. Era merecido. Os requisitos legais tinham sido cumpridos e havia bom comportamento registrado. E como melhor retornar à comunhão social livre e harmônica do que pela comemoração de casamento de um ente familiar?

Após a assinatura do termo de soltura no cartório, solicitei que encaminhassem o grupo para a sala de audiências, para mais uns conselhos. Entrei na sala. Todos sentados, o rapaz na cadeira destinada aos réus, a mãe, o irmão e a tia logo atrás, nervosos.

- Você tem família, faz por merecer - tentei ser objetivo - a vida não é fácil, muitos obstáculos aparecerão, mas você saberá superar tudo e logo essa situação será parte do passado - e prossegui, chamando à responsabilidade, alertando sobre as condições que no cartório já tinham sido repassadas.

- Sim, sim - respondia o rapaz, sorrindo, com a mãe, irmão e tia emocionados, olhos marejados, mexendo-se nas cadeiras. Estavam agoniados com algo. Imaginei ser consequência de toda a espera por esse dia, o que seria natural. Foi quando aconteceu a pergunta da cartinha.

- Sim, li ? respondi sem pensar. Não fazia idéia do que teria na cartinha. Mas logo saberia, devia estar por entre os documentos dos autos.

E o rapaz fez cara de satisfeito, assim como a mãe, o irmão e a tia. Respiraram aliviados, como se finalmente obtivessem a resposta pela qual tanto aguardavam.

Resolvi encerrar o ato.

- Vai ser feliz, com responsabilidade - ainda disse ao me despedir.

Ao final do expediente, resolvi buscar o conteúdo da dita cartinha. E o que havia nela? Jamais soube. A cartinha não estava no processo, não estava em lugar algum. Devia ter se perdido no longo caminho entre Presídio e Fórum. Mas não importava, ela atingiu seu objetivo, isso eu sei.

João Marcos Buch é Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville/SC. Justificando.com

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